quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Conto: "Fenda temporal"


       Tudo começou quando chegou a minha vez de aproveitar minha merecida fuga. Tinha que ser justamente comigo, que me controlei para não fazer "A fuga" durante toda minha adolescência e juventude... Se bem que aos 37 anos não podia me considerar um velho.
      A verdade é que a maior parte dos habitantes do planeta preferia fazer "A fuga" antes dos 30 anos de idade. E foi baseado na experiência dessas pessoas que eu decidi esperar. O fato é que a ânsia de viver uma vida que não é sua, faz os sujeitos se precipitarem e escolher mal. No final das contas sobrava mais tempo para se arrependerem do que recordarem com prazer da sua "Fuga"... Apesar da média de vida nunca passar dos 70.
    Coisa interessante esta...por mais que melhoremos e avancemos com tecnologia e conhecimento, a média de vida não aumenta!
    Bem, mas voltando ao que eu dizia, escolhi essa idade para ter certeza de quem eu queria ser e que vida queria viver.
    Estas "Fugas" já eram feitas a gerações e nunca foi reconhecido qualquer problema no processo.
    Poucas pessoas tinham acesso á tecnologia que fazia o sistema funcionar. O que se sabia é que todo ser humano "de bem" tinha direito, uma vez na vida, em uma época que ele mesmo escolhesse fazer uma viagem que o levava a um intervalo no tempo presente, durante 30 dias, de forma que quando retornasse, ele estaria no mesmo momento em que começou a viagem. Era conhecida como FendaTemporal. Nela não se voltava ao passado e o máximo que se conseguia do futuro eram os 30 dias, que em nada influenciavam na nossa linha temporal, já que voltávamos no mesmo momento em que partimos.
    Notem que nem todos tinham o direito de aproveitar destes 30 dias, tinham que ser pessoas idôneas e de bem, afinal, o crime ainda existia. Talvez por isto as pessoas preferissem fazer a fuga tão cedo, com medo do que fariam no futuro.
   Pois eu vivi toda a minha vida pacatamente, sempre fui muito calmo e tranquilo, nunca me sobressai em nada, nem de forma positiva, nem negativa, tive minhas paixões, um tanto superficiais, mas existiram. Não me casei, nem tive filhos; meus pais morreram há cerca de dez anos, não tive irmão e os poucos parentes que tinham me eram indiferentes e ausentes.
   Eu era só e feliz.
   Trabalhava como contabilista de uma empresa de porte médio, era companheiro dos colegas, mas não amigo, tinha uns dois ou três com quem sai de vez em quando para ir a jogos e boates.
   Mais nada.
   Tinha dois felinos em casa, eles também só me davam atenção quando tinham fome.
   Porém, no meu sonho eu era diferente, era alguém de forte personalidade e grande presença, era um grande conquistador, mas tinha um só amor. Era um aventureiro que salvava o mundo!
   Bem! Eu contei o resumo da personalidade que eu queria ser. Os cientistas programaram o equipamento, eu entrei na máquina e algo aconteceu, não sei o que aconteceu, porque eu não estou no presente, estou em minha viagem, em minha "Fuga".
    Isto já faz 45 anos.
   Vocês não acreditam em mim, não é? Não faz mal, ninguém acredita mesmo. Todos me acham um velho esclerosado e gagá. Não tem importância. É uma pena que este silêncio de vocês é em respeito as suas  mãe, ao que eu represento para a humanidade e pelo dinheiro que eu tenho.
    É também uma pena que eu já esteja morrendo e vocês não acreditam na verdade.
   A verdadeira realidade!

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